quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Amor e paixão



“A vida mais doce é não pensar em nada.”
                                    (Friedrich Nietzsch)
Márcio estava nos seus trinta anos. Casara há pouco. Acreditava que Lúcia era a mulher da sua vida. Afinal, fora esta a promessa que fizera a seus amigos: só casaria quando o encontrasse. Encontrou-o ao acaso. Saía de um bar pensativo, observando os pássaros no céu – o vôo deles sempre o interessou – quando esbarrou em alguém na rua. Observou que uma pasta caiu e abaixou-se para pegá-la. Ao devolver à dona, seus olhos presenciaram uma beleza inigualável: pele alva, cabelos castanhos, olhos claros. Ela agradeceu e foi embora. O homem ficou inquieto. Não queria deixar aquela oportunidade escapar. Cria que a moça era a mulher de sua vida. Pensou em ir atrás dela, ideia logo descartada quando a razão prevaleceu sobre o devaneio. Seus olhos brilharam quando observou que, propositalmente ou não, ela deixara um cartão cair. Ele continha o nome Lúcia Miranda seguido do endereço de seu escritório. Era advogada. Uma mulher linda com uma profissão de respeito. Márcio só conseguia pensar em conquistá-la. Depois de semanas de hesitação, finalmente ligou para a moça. Contou de sua paixão secreta; saíram juntos. O primeiro encontro, um sonho. O segundo, ainda mais magnífico. Depois de um ano, resolveram se casar. Márcio abriu mão de seus amigos para dedicar-se à sua paixão. Não mais ia ao bar que ocasionou o primeiro encontro do casal, não mais pegava o trem nas tardes de domingo para ir ao Maracanã. Apenas queria saber de sua Lúcia.
            Passado um ano de casamento, a paixão se esvaiu e o que ambos faziam entre si era meramente por rotina. Márcio chegava cansado do trabalho. Desejava o corpo de Lúcia. Consumavam o ato sexual. O homem não sentia mais necessidade de proferir palavras de amor durante o coito – apenas o fazia por costume. A mulher não sentia mais a mesma paixão. É certo que eles entendiam-se muito bem fisicamente, – ela nunca chegara a fingir um orgasmo – mas o amor incondicional não mais se manifestava. Ambos acreditavam que ele existia. Quem sabe um dia manifestar-se-ia novamente. Por enquanto, continuavam juntos por comodidade.
            Um dia, ao chegar em casa, sedento por sexo, Márcio notou que Lúcia não estava lá. Encontrou um bilhete que apenas dizia “Cansei de tudo. Não me procure.”. Passou noites em claro, tentando entender o que o levou a perder o amor de sua vida. Mais tarde tomou o conhecimento que ela fugira com um amigo próximo do casal, quem sempre frequentava sua casa. A situação de Márcio piorou. Ficou doente de desgosto. Não conseguia mais ir trabalhar; perdeu o emprego.
            Passaram-se meses e a vida do homem nunca voltou ao normal. Chorava todos os dias lembrando de sua amada. Para ele, tudo trazia recordações: objetos, cheiros, músicas. A angústia e o sofrimento só aumentavam. Tentou o suicídio. Fracassou. Não tinha a coragem suficiente para ferir a si mesmo. Desesperado, resolveu contratar alguém para fazer isso por si. Por intermédio da “internet”, encontrou um matador de aluguel. Em uma breve conversa, contou sua história e ofereceu o pagamento. Do outro lado da linha telefônica, uma voz grossa e abafada respondeu:
- Eu tiro a vida de pessoas que não merecem. O senhor merece que sua vida seja tirada. Fica procurando respostas para o que aconteceu quando, na verdade, só tenta esconder a verdade de  si.
            Surpreendido, Márcio retrucou:
- E qual seria essa verdade?
- A rotina cansa. Vocês dois estavam cansados. Ela teve uma oportunidade de fugir. Aproveitou.
- Eu não estava cansado! De onde tiras tal conclusão?
- É certo que estava. O senhor mesmo disse que não expressava tanto mais seu amor.
- Mas ele estava presente.
- Não estava. O que o impedia de desistir era a paixão.
- Se é paixão, eu a amava.
- Não, senhor, a paixão é o desejo carnal. Uma boa noite. – e desligou
Neste dia, Márcio aprendeu a diferença entre desejo, amor e paixão. Sentiu o primeiro ao observar pela primeira vez a bela Lúcia, o segundo nos primeiros encontros e o terceiro na rotina dos prazeres carnais. Não eram os sentimentos; era a carne, afinal, que movia o homem.