terça-feira, 30 de julho de 2013

Assassinato

            À minha frente, o espelho. Sangue. Sangue por toda a parte. Aquela coloração vermelho-escura tomava conta de cada pedaço do meu corpo e não parava de escorrer, molhava todo o chão do banheiro.
            O que posso fazer agora? Provavelmente serei preso. A suspeita logo recairá sobre mim. Decidi tomar um banho enquanto assistia aquele corpo esticado sobre o azulejo.
            Engraçado como na morte todas as pessoas parecem puras. Todos os seus pecados parecem ter sido esquecidos. Não que eu seja religioso. Na verdade, nem acredito no conceito de “pecado”, mas, na morte, ele definitivamente não existe. Há um corpo inerte e ... quem sabe, uma alma.
            Por um momento, esqueci todo o mal que esse demônio banhado de sangue havia me feito. Aquela pessoa fraca, impassível não é capaz de fazer mal a ninguém, pensei. Um anjinho coberto do líquido de seus próprios vasos, que agora fluíam para o exterior de seu belo corpo.
            Não me arrependia do feito, mas, agora alcançado, minha vida perdeu sentido. Passei anos buscando vingança para descobrir que ela não me satisfazia. O imenso prazer que senti ao desferir brutais golpes contra meu malfeitor não se fazia mais presente. Foi substituído por um enorme sentimento de compaixão por aquela criaturinha imóvel.
            Lavava-me. A limpeza do sangue era apenas simbólica. Enquanto deslizava o sabonete, tentava sentir meus pecados indo embora. Religioso ou não, queria estar livre deles. Meu monstro, apesar de tudo que fez, agora parecia estar.
            Após algumas horas, a polícia acabou chegando ao meu apartamento... aquele momento poderia representar o fim. Passar o resto da vida na prisão. Imagine eu, um garoto criado a berços de ouro, atrás das grades. A ideia não me agrada nem um pouco.
            O policial responsável pelo chamado teve um dia horrível. Acordou atrasado, brigou com a mulher, que não o despertou, vestiu-se correndo e chegou ao departamento coberto de suor. Como punição, recebeu o encargo de responsabilizar-se pelo caso preterido por seus companheiros.
            Um jovem que, em acesso de fúria, sequestrou sua ex-namorada e trancou-se no banheiro de sua casa. Parecia ser uma tarefa perigosa. O novato tira tremia ao sair de seu automóvel.
            Chegando ao apartamento, bateu na porta como procedimento padrão. Sabia que não obteria uma resposta. Após arrombá-la, dirigiu-se ao banheiro. Precisou usar da força para remover também esta porta, também trancada.
            Para sua surpresa, encontrou apenas uma pessoa. Um homem encontrava-se morto com a cabeça próxima à banheira. Concluiu que caíra durante o banho e morrera com o impacto.
            Tentou ligar para seu chefe para resolver o mal-entedido. Percebeu que não havia sinal em seu celular. Vendo que o do morto estava sobre a pia, aproximou-se.
            Passo a passo, se aproximava do espelho embaçado pelo calor. Uma pequena parte não opaca revelava uma imagem. Não era a figura do policial. O que estava à sua frente era o mesmo que estava aos seus pés: o homem morto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário